"Foram dias magníficos naquele sertão distante, onde antes de mim ninguém havia chegado"

Transportemo-nos para aqueles primeiros dias de 1848. O rio é o mesmo, mas as margens são um paredão de florestas. Navega solitária uma canoa feita de um tronco de árvore. Ela conduz rio acima dois alemães e um caboclo forte, que, com suas remadas vence a correnteza.



É uma missão de reconhecimento. Partiu do embarcadouro da foz, que mais tarde se tornou o porto de Itajaí. Um dos alemães, o líder da expedição tem 29 anos. Olha tudo atentamente, as margens, o rio e o tipo de floresta. Ele e seu sócio querem comprar terras e fundar uma colônia.



- Achamos tudo aceitável, principalmente devido a este rio, cujas águas tranqüilas e de certa profundidade, correm mansas, sendo as terras marginais as melhores da província – diz ele na carta que enviou aos familiares na Alemanha, após a expedição.


A embarcaçao passa pela foz do ribeirão Garcia e faz os seus tripulantes manterem o primeiro contato com aquilo que se tornou um dos cartões postais mais fotografados do sul do Brasil: a beira-rio blumenaense.


Mas neste momento em que estes desbravadores por ela passam, o que se vê é uma densa mata virgem que cobre, dos dois lados, estreitas faixas de terras, expremidas entre os montes e os morros.


Param na foz do ribeirão Velha e montam acampamento para o pernoite.


No dia seguinte, cedo, continuam a subida. Navegam por seis quilômetros e defrontam-se com o Salto Grande, no Bairro Salto do Norte. O líder da expedição relata:


- Com a largura de mais ou menos 300 a 400 pés, e 20 a 30 pés de altura, é formado de várias quedas, devido às separações por grupos de rochedos no leito do rio. É um espetáculo lúgubre e selvagem, apontando rochas escuras como ferro e lisos como que polidos, escavados e carcomidos da água espumante, contrastando profundamente com a brancura desta torrente que, saltando com estrondo ao abismo, passa silvando e fervilhando pelo estreito até que, encontrando um leito mais largo, continua seu curso com menos ímpeto.


O outro alemão chama-se Fernando Hackradt, que desiste de prosseguir. Desembarca da canoa e fica nas imediações. Vai escolher terras para comprar. O líder prossegue então, juntamente como caboclo remador que se chama Ângelo Dias. E aí, a navegação deles oscila entre o “céu e o inferno”.


- Encontramos árvores gigantescas, variedades de espécies de cipós e bambus, flores de escarlate ardente e amarelas, e outras lindas, azuis e lilazes, medrando ao longo das águas calmas, quase paradas daquela zona, debruçadas sobre o leito dos rios, formando caramanchões e dando sombra. E tudo isso associado ao silêncio profundo da selva, interrompido, apenas, pelas grasnadas das grandes aves galináceas (jacú e jacutinga) que a cada instante levantavam vôo à nossa passagem. E sobre este cenário, há a expressão indiscritível de sossego e majestade, ar quente e aromático e um delicioso céu azul – diz o alemão em outro trecho do relato.


Mas nem tudo é alegria na excursão.


- Foi muito cansativa, e tenho experimentado o significativo de uma viagem na mata virgem, e em águas desconhecidas. O calor era, por vezes, quase insuportável, e fiquei como que assado nesta canoa, tão pequena, que mal nos podíamos mover. Éramos três pessoas e dois cachorros e, além dos mantimentos, levamos também alguma carga, - panelas, espingardas etc, - tudo isso dentro da embarcação minúscula, feito de um tronco de árvore e, se muito, 12 a 14 pés de comprimento. Mesmo assim, eu passei bem, apesar dos dissabores que suportamos. Logo no primeiro dia, contraí forte queimaduras de sol, nos dois braços, que ficaram inchados e muito doídos. A pele descascou, mais tarde, mas até hoje, estão os meus braços bem morenos – se queixa o expedicionário, no seu relato enviado aos seus compatriotas que ficaram longe, do outro lado do Atlântico.


Enquanto Hackradt procura terras para comprar entre o Salto do Norte e o Ribeirão Garcia, o destemido alemão e o caboclo continuam subindo o rio. Em certos trechos eles são obrigados a desembarcar da canoa e empurrá-la. E o alemão fala mais uma vez das agruras.


- Tive que tirar minhas botas porque a água vinha até as minhas coxas. Para mim, desacostumado a tais exercícios aquáticos, não foi muito agradável, pois as pedras são lisas e escorregadias e caminhei, muitas vezes como bêbado. Em certos trechos tornou-se necessário descarregarmos a canoa completamente, devendo arrastá-la sobre pedras, ou na margem do rio, o que foi estafante e vagaroso. Tivemos 25 graus de temperatura.


E as dificuldades são as mais variadas.


- Em certos lugares fomos molestados por mosquitos, e, nas passagens à beira do rio, pisamos em formigueiros. Contraí frieira e um eczema nas pernas com tão fortes coceiras, que não pude dormir à noite – registra.


Os expedicionários chegam então na foz do rio Benedito e resolvem explorá-lo até onde ele recebe água do rio dos Cedros. O alemão quer prosseguir, mas o caboclo nega-se a continuar remando. Tinha acabado a sua aguardente.


- Sem cachaça não sou gente – teria dito ele.


Voltam então até a foz do Itajaí. No percurso, param em um local onde haviam tomado a margem por causa de uma corredeira entre pedras, e o caboclo encontra uma garrafa de cachaça esquecida em uma das paradas anteriores. Aí, o alemão aproveita o novo ânimo que Angelo Dias obtem com o aguardante e resolve tomar o Itajaí acima.


- Quanto mais adiante nós chegamos, tanto mais lindas eram as paisagens que se desenrolaram ao nosso olhar. Foram dias magníficos naquele sertão distante onde, antes de mim, homem civilizado algum havia chegado – diz mais tarde o alemão aos seus conterrâneos.


Eles navegam cerca de 47 quilômetros até o ribeirão Subida, no limite dos municípios de Apiúna e Ascurra. Aí encerram a expedição e iniciam viagem de regresso.


Era a primeira incursão daquele que deu o ponta pé inicial para o que hoje é o Vale do Itajaí. Era o homem que mais tarde fundaria a colônia que levou o seu nome. Era o doutor Hermann Bruno Otto Blumenau, que acabara de vencer o seu primeiro desafio nesse imenso vale.







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